A imigração no Brasil atual
- Roberta Muniz, Roger Vilela e Lia Xavier
- 4 de nov. de 2019
- 7 min de leitura
Atualizado: 7 de jan. de 2021
O Brasil recebeu quase 800 mil imigrantes entre 2011 e 2018. No último censo, realizado em 2010, quase 700 estrangeiros viviam na cidade de Pelotas
Nos últimos anos, a imigração foi e ainda é um tema bastante presente nos noticiários. Foram produzidas dezenas de matérias sobre imigrantes que tentam chegar da África ou Oriente Médio à Europa pelo Mar Mediterrâneo. Ou que são encarcerados na fronteira entre os EUA e o México, após tentar buscar na "Terra da liberdade" melhores condições de vida. O Brasil, como a maior economia da América Latina, é visto por muitos, principalmente por cidadãos dos nossos vizinhos, como uma terra de oportunidades, o que faz do país o destino de muito deles.

No país, entre os anos de 2011 e 2018, foram registrados 774,2 mil imigrantes, sendo 492,7 mil considerados de longo tempo, ou seja, que permaneceram no país por mais de um ano. No mesmo período, o estado do Rio Grande do Sul, assim como os demais da região sul, recebeu em torno de 30 mil a 100 mil estrangeiros.
Os haitianos constituem o principal grupo de estrangeiros que migraram para o Brasil neste período. Em seguida, vêm bolivianos, venezuelanos, colombianos e argentinos, respectivamente. Em 2018, 39% dos estrangeiros que vieram para o país são oriundos da Venezuela, que desde 2013 sofre com uma grave crise econômica, social e política. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o nosso vizinho é o nação que tem o maior grupo populacional fora do local de origem. Até junho deste ano, estima-se que mais de 4 milhões de pessoas deixaram o país.
Os dados são do Relatório Anual do Observatório das Migrações Internacionais – OBMigra 2019, lançado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em agosto deste ano. O estudo também traz os números sobre a migração laboral e a inserção dos imigrantes no mercado de trabalho formal brasileiro. No ano passado, 71.882 ocuparam novas vagas de trabalho, e 62.921 foram desligados de seus empregos, resultando um saldo positivo de 8.961 novas carteiras assinadas. No Rio Grande do Sul, mais de 4 mil estrangeiros começaram a trabalhar no estado em 2018.
REFUGIADOS NO BRASIL
De acordo com a 4ª edição do relatório “Refúgio em Números” divulgado pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), até dezembro do ano passado, 11.231 refugiados foram reconhecidos legalmente pelo Estado brasileiro. Desse total, 36% são da Síria, que desde 2011 é palco de uma guerra civil. Só em 2018, o país reconheceu 1.086 refugiados de diversas nacionalidades.
Ainda segundo o relatório, nos últimos oito anos, o país recebeu cerca de 206 mil solicitações de reconhecimento da condição de refugiado. 2018 foi o ano que registrou o maior número de pedidos, com aproximadamente 80 mil. Dos requerimentos em trâmite, 52% foram realizados por Venezuelanos.
Em 2013, ano inicial da crise na Venezuela, apenas 43 solicitações de reconhecimento da condição de refugiado feitas por venezuelanos foram recebidas pela Policia Federal. No ano passado, esse número saltou para mais de 61 mil.
Das mais de 11 mil pessoas reconhecidas historicamente como refugiadas no Brasil, 6.554 mantêm tal condição. As que deixaram de possuir o status podem ter se naturalizado brasileiras, retornado ao seu país de origem, ter a condição de refugiado cassada, falecido, optado pela residência, etc.
Conforme a Lei Federal nº 9,474, de 22 de julho de 1997, são consideradas refugiadas as pessoas que “devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontram-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país”. Ainda segundo a Lei nº 9.474, são também refugiadas as pessoas obrigadas a deixar sua pátria em razão de grave e generalizada violação de direitos humanos.
NOVA LEI DA IMIGRAÇÃO
Em maio de 2017 foi sancionada a nova Lei da Imigração (Lei nº 13.445/2017), que substituiu o antigo “Estatuto do Estrangeiro” de 1980, que para especialistas considerava os imigrantes uma ameaça à segurança nacional.
A nova lei passou a tratar o tema da imigração sob a perspectiva dos direitos humanos, pois trata o movimento migratório como um direito e combate a xenofobia. O texto sancionado estabelece os direitos e deveres do imigrante e do visitante, regula a entrada e estada no país e estabelece princípios e diretrizes sobre as políticas públicas direcionadas à essas pessoas.
OS IMIGRANTES EM PELOTAS
A cidade de Pelotas foi fundada e construída por imigrantes e até os dias de hoje recebe pessoas de outros países. No último censo, realizado em 2010, 669 estrangeiros residiam na cidade, além de 287 que já eram naturalizados brasileiros. A população pelotense na época era de 328 mil pessoas. Hoje, quase 10 anos depois, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que 342 mil pessoas vivem em Pelotas, o que torna possível o aumento do número de imigrantes que moram na cidade.
Idrissa, Alejandro e Karen são três estrangeiros que vivem atualmente na cidade, mas que possuem origens e vidas totalmente diferentes. Por essa diferença, nos apresentam visões distintas sobre Pelotas.
Idrissa Sane, 33 anos, de Dakar, Senegal.

O senegalês Idrissa Sane foi um dos que vieram ao Brasil em busca de melhores oportunidades. Partiu de sua terra natal com o objetivo de ganhar mais com seu trabalho. Chegando aqui, sem falar nada da língua e sozinho, teve que aprender português através do YouTube. Precisou trabalhar no que aparecia, fazendo bicos até aprender o idioma e conseguir um emprego na área que atuava em Senegal.
Está no Brasil há cinco anos, sendo quatro em Pelotas. Chegou primeiro em São Paulo e passou por Florianópolis até chegar aqui, onde conseguiu emprego como operador de máquina grua na área de construção civil.
Idrissa não conseguiu atingir seu objetivo aqui no Brasil. Segundo ele, ganha o mesmo salário que ganhava em Dakar, mas aqui trabalha por mais horas. Com o que recebe, se mantém em Pelotas e envia dinheiro para sua família, que continua em Senegal (pais e irmãos).
Ele diz que deseja estudar, fazer algum curso, mas que não pode largar o emprego e, por isso, acaba não tendo tempo para realizar esse desejo. Mesmo com as dificuldades, ele diz que gosta de morar aqui, acha um bom país para viver. Por fim, conta que conhece outros senegaleses que vivem na cidade, mas que não mantém um contato muito próximo.
Alejandro Echeverri, 19 anos, natural de Manizales, Colômbia.

Segundo a Coordenação de Relações internacionais (CRinter) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), 124 estrangeiros (de 25 países diferentes) estudam atualmente na Universidade. 36 deles em cursos de graduação e 88 em programas de pós-graduação. Eles são oriundos, em grande parte, de países sul-americanas, como Colômbia e Uruguai. Também há alunos da África, Europa, América Central e do Norte.
Um desses estudantes é o colombiano Alejandro Echeverri, de 19 anos, que cursa Relações Internacionais. Ele veio para cá como intercambista e está na cidade há dois meses. Permanece até janeiro de 2020. Ele recebe apoio da Universidade, que o auxilia financeiramente com os custos da hospedagem e alimentação. Seus pais o ajudam com restante das despesas.
Segundo ele, os objetivos que veio buscar foram atingidos. Alejandro conta que Pelotas é ótima para quem busca por estudos, mas que infelizmente, não se sente seguro, sendo isso uma das suas maiores dificuldades na cidade.
Ele também relata dificuldades em se adaptar aos novo colegas e com as pessoas com quem divide moradia. Mas no fim, ao ser bem recebido por todos, acabou se ambientando.
Karen Mustin, 36 anos, de Burbage, condado de Leicestershire, Inglaterra.

Karen veio pela primeira vez ao Brasil em 2014. Morou por dois anos em Macapá, no Amapá, onde realizou seu pós-doutorado. Chegou ao país através do Programa “Ciências sem fronteiras”, do governo federal, mas relata que não teve nenhum apoio por parte do governo enquanto estava lá. Segundo ela, a maior dificuldade foi o idioma e conseguir se comunicar com os brasileiros, mas diz que foi muito bem recebida pelo povo da cidade. Mesmo fazendo aulas intensivas de português, relata que foi bastante difícil de apreender e pôr em prática o que aprendia.
Em suas primeiras semanas de estada no país, conta que foi assaltada, o que, segundo ela, dificultou um pouco mais sua adaptação. Karen diz o que fez mais diferença para, enfim, se adaptar foi encontrar outros estrangeiros que a ajudaram com a experiência que tinham.
Ela foi embora em 2016, mas em janeiro deste ano voltou ao Brasil, como professora visitante da UFPel. Hoje, possui visto permanente, pois se casou com um brasileiro. Conta que agora pretende pedir a naturalização. De acordo com ela, no sul do país sua vida é bem diferente e que conseguiu se adaptar melhor pela influência europeia mais forte presente no Rio Grande do Sul. Relata que teve menos dificuldades, mas atribui, em grande parte, por já ter a fluência do idioma, conhecendo também mais da cultura e da sociedade brasileira.
Quando questionada se teve os objetivos alcançados em sua primeira estada no país, Karen responde: “De fato isso foi um dos problemas que tive, por causa de diferenças culturais. No Reino Unido e na Austrália (onde também trabalhei antes) e em muitos outros países, pós-doutorando recebe salário muitas vezes comparável ou até melhor do que um professor universitário, incluindo contribuições para aposentadoria, etc. Mas não é só questão de dinheiro. O pós-doutorado no Brasil não é respeitado, é visto como estudo ou algo que as pessoas fazem enquanto não conseguem ser professor. Isso é uma pena, porque prejudique a pesquisa no Brasil. Enfim, é um assunto complicado, mas resumindo, no caso do pós-doutorado não teve o retorno que esperava”.
Apesar de notar que a educação não é tão valorizada por aqui, ela diz que isso é mais um motivo para ela seguir no que acredita. Sobre gostar de viver no Brasil, ela responde: “Adoro o Brasil. Reclamo, mas é aquela reclamação só por reclamar, sabe? Não tenho vontade de voltar para meu país, pretendemos ficar por aqui mesmo. Eu e meu marido gostamos muito de viajar e conhecer outras culturas, então se fosse para sair do Brasil, provavelmente iríamos para um outro país que não seja o Reino Unido”.
APOIO AO IMIGRANTE EM PELOTAS
Secretária de Assistência Social
Segundo o secretário municipal de Assistência Social de Pelotas, Luiz Eduardo Longaray, a Secretaria possui um núcleo de acolhimento ao imigrante desde 2016.
Aulas de português
O curso de Letras da UFPel em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS) oferece aulas gratuitas de português para os estrangeiros que vivem na cidade, em especial aos imigrantes originários da África que trabalham na área central do município. As aulas ocorrem todas as quartas, das 19h às 21h, e sábados, das 9h às 11h30, no Campus Anglo da Universidade (Rua Gomes Carneiro, 1). O curso foca na oralidade e não possui a necessidade de formação de turmas. Mais informações sobre o projeto podem ser obtidas pelo e-mail ppe.clc.ufpel@gmail.com.
Atendimento psicológico
O Laboratório de Estudos Psicossociais Cidades Seguras e Direitos Humanos do Programa de Pós-Graduação em Política Social e Direitos Humanos (LEPS/PPGPSDH) e o Grupo de Pesquisa em Políticas Migratórias e Direitos Humanos da Universidade Católica de Pelotas (GEMIGRA/UCPel) oferecem atendimento psicológico a refugiados e imigrantes através da Clínica da Interculturalidade.
Para receber o atendimento da Clínica da Interculturalidade, os interessados devem ir ao prédio Santa Margarida, localizado na rua Padre Anchieta, 1274, nas terças-feiras, às 17h30.
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