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LENDAS URBANAS: TÚNEIS SECRETOS EM PELOTAS

  • Roger Vilela e Lia Xavier
  • 15 de mai. de 2018
  • 9 min de leitura

Atualizado: 3 de fev. de 2021

De acordo com alguns moradores da cidade gaúcha, espiões nazistas usaram túneis subterrâneos para não serem descobertos pelas autoridades.


Segundo histórias populares, que por décadas preenchem o imaginário local, existe uma rede de túneis subterrâneos que liga alguns pontos da cidade de Pelotas. Mas quem construiu esses túneis? Há diferentes versões. Para alguns foram os jesuítas, para outros, escravos que buscavam a liberdade. Até mesmo as forças farroupilhas receberam o mérito pelo empreendimento. Mais uma das origens mais aceita é que os túneis estão relacionados aos nazistas.


E como nazistas entram nessa história? Para aqueles que acreditam nela, espiões nazistas ligados a uma cervejaria, que pertencia a uma família de origem alemã, os Ritter, usuram esses túneis, que se estendiam da cervejaria até a Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, a fim de mandar mensagens secretas para o comando nazista na Alemanha. As mensagens seriam enviadas por meio da torre de rádio da Santa Casa. O gerente da cervejaria, presidente do partido nazista na cidade, que estaria envolvido na trama de espionagem, antes de ser preso pela polícia gaúcha, se escondeu nos porões da cervejaria. Esses mesmos porões seriam, supostamente, uns dos acessos aos túneis.


A opinião dos pelotenses sobre os túneis e a presença dos espiões nazistas é dividida:


Alice Xavier, 32, assistente administrativa, acha que "os tuneis possivelmente já existiam antes da Segunda Grande Guerra e que podem até terem sido usados na época dos escravos. E que sim, pelo que obtêm de buscas e comentários, acredito que os nazistas possam ter usado esses túneis a seu favor, já que se tem história de que houveram muitas retaliações à alemães naquela época aqui na cidade, então, é possível que eles possam ter se organizado de uma forma não perceptível."


Eliane Pederzolli, 61, professora aposentada, pensa diferente, pois segundo ela, "considerando os locais onde os porões se localizam, os objetivos das casas acima deles e a ausência de posição estratégica da cidade de Pelotas frente a uma guerra, para mim fica inviável crer que a teoria de se tratarem de tuneis nazistas venha a ser algo além de um floreio para instigar a curiosidade daqueles que adoram criar fantasias."


Vamos, aqui, neste texto, mostrar algumas coisas que podem ter ajudado a fomentar a imaginação popular, como curiosidades e outras histórias que se relacionam com o tema.


Cervejaria Ritter e seus fundadores

A Cervejaria Ritter & Irmão foi fundada em 1876, por Carlos Ritter e seu irmão Frederico Jacob Ritter, filhos de imigrantes alemães. Sua primeira sede era localizada na rua 24 de maio (atual rua Tiradentes), ao lado do canal de Santa Bárbara. Anos depois, a fábrica se instalou na rua Marechal Floriano, em frente à Praça do Pavão (hoje Praça Cipriano Barcelos, também conhecida como Praça dos Enforcados).


Fonte: álbum Centenário Pelotas(1922) – acervo Guilherme Daltoé.

Ela chegou a figurar como uma das maiores cervejarias do Brasil, produzindo cerca de 4,5 milhões de garrafas por ano. Entre seus produtos estavam as cervejas "Pelotense”, “Ritter Bräu” e “Americana”.


Em 1889, a Ritter & Irmão se fundiu com a Cervejaria Sul-Riograndense, pertencente a Leopoldo Haertel, imigrante alemão. A Cervejaria Ritter foi responsável por abrir a primeira fábrica de gelo da cidade, fornecendo, assim, gelo para população e a Santa Casa de Misericórdia de Pelotas. Talvez tenha sido aqui que nasceu a relação entre os túneis, a Ritter e a Santa Casa.


Os porões da Ritter ocupavam uma quadra inteira e foram usados como estoque e, também, era o local onde as cervejas produzidas na fábrica passavam pelo processo de fermentação. A extensão desses porões pode ter ajudado a fermentar a imaginação dos pelotenses.


A fermentação é o processo que o mosto (água + açúcares extraídos do do malte) se transforma em cerveja alcoólica. Para que esse processo ocorra é preciso adicionar as leveduras (fungos, sendo a Saccharomyces cerevisiae, conhecida como levedura de padeiro ou da cerveja, a espécie mais comum), responsáveis em transformar o açúcar em álcool etílico e o CO2 em subprodutos como fenóis e ésteres, importantes para o sabor e outras características das cervejas.


Segundo o cervejeiro Natan Fonseca, 28, dono da Caiola Beer Co., para "armazenar a cerveja já pronta, o ideal é sempre em baixas temperaturas, abaixo da faixa de atuação da levedura, e sem muita variação e exposição a luz". Algo que favorece a utilização dos porões pela cervejaria Ritter. Pelotas é conhecida por ser úmida. A cidade tem umidade média anual de 80,7%, de acordo com as normas climatológicas da Estação Agroclimatológica de Pelotas.


Porões são conhecidos por serem úmidos. Natan acrescenta "um ambiente úmido pode favorecer o surgimento de fungos no malte, o que poderia interferir na cerveja se fosse utilizado ou simplesmente ser mais um contaminante em potencial por ficar junto com a cerveja enquanto fermenta."


Na década de 1940, a Ritter encerrou suas atividades e foi comprada pela Cervejaria Brahma. O prédio da fábrica não foi utilizada pelos novos donos para a produção, mas apenas como depósito e centro de distribuição de seus produtos.

Carlos e Frederico Ritter

Carlos Ritter, nasceu em 1851, em São Leopoldo, e morreu em 1926, em Pelotas. Chegou à cidade com 19 anos, em 1870. Além de ter sido um grande empreendedor, Carlos também era taxidermista (ele realizava a arte de empalhar animais). O Museu de Ciências Naturais, da UFPEL, recebe seu nome.


Com o dinheiro proveniente da cervejaria, ele contribui muito com a população de origem alemã em Pelotas. Ele fundou as colônias alemãs de Santa Rita, Visconde da Graça e Ritter. Em 1888, foi o fundador e primeiro tesoureiro da Die Deutsche Evangelische Gemeinde in Pelotas (Comunidade Evangélica Alemã em Pelotas). Entre os anos de 1895 e 1899, ele foi seu presidente. Carlos Ritter também foi sócio fundador da Sociedade Escolar, mantenedora do Collegio Allemão de Pelotas. Ocupou o lugar de membro de honra da diretoria da sociedade de 1906 até 1923. Em 1907, a escola recebeu o nome de Collegio Carlos Ritter, nome mantido até 1942, quando foi fechada.


Frederico Jacob Ritter, irmão de Carlos, realizou um longo estágio na Alemanha, no qual foi treinado em prática da cervejaria, depois disso, se associou ao seu irmão e juntos abriram a cervejaria. Frederico fiscalizava a produção das cervejas, principalmente o processo de fermentação.


Criação da Lenda


Com o que essas informações podem nos ajudar na criação da lenda dos túneis? Podemos relacionar o origem dos Ritter e atividade que exerciam com alguns fatos históricos. Dois fatos na verdade.


Primeiro Fato


A lenda relaciona os túneis a uma cervejaria e a nazistas. E a história do partido nazista se relaciona a cervejarias. E em algum momento, alguém pode ter relacionado tudo isso para dar suporte a criação da lenda.


Em 8 de novembro de 1923, usando a cervejaria Burgebräukeller como base, Hitler iniciou uma tentativa de golpe contra o governo da região da Baviera, na qual a cidade de Munique é a capital, onde se localizava a cervejaria. No dia seguinte, 9 de novembro, o golpe fracassou. O episódio ficou conhecido como Putsch da Cervejaria ou Putsch de Munique (Putsch significa “golpe” em alemão). Hitler foi preso e condenado por alta traição. Nos 9 meses que permaneceu na prisão, ele escreveu o seu livro, “Mein Kampf” (“Minha Luta”).


A Burgebräukeller foi um dos principais pontos de encontros dos membros do partido nazista em Munique entre os anos de 1920 e 1923. Após chegar ao poder em 1933, Hitler comemorou cada aniversário do Putsch da Cervejaria com um discurso para os sobreviventes do golpe fracassado no interior da Burgebräukeller.

Na comemoração do 8 de novembro, em 1939, com a segunda guerra mundial já iniciada. Georg Elser, um operário antinazista, plantou uma bomba-relógio na cervejaria, que explodiu durante o discurso de Hitler. O Führer saiu ileso, mas sete pessoas morreram e 73 ficaram feridas. Elser foi executado pouco antes do fim da guerra. O estrutura do prédio sofreu graves danos e nunca foi reconstruído. Hoje existe uma placa em homenagem a Elser na local onde se encontrava a Burgebräukeller.

Segundo fato


O Brasil declarou guerra às forças do eixo em agosto de 1942. Com isso, a campanha de nacionalização do Estado Novo de Getúlio Vargas se intensifica e a repressão às pessoas com origem alemã, italiana e japonesa aumenta consideravelmente no país. Essas pessoas perderam liberdades individuais. Por exemplo, para viajar dentro do Brasil, elas precisavam de uma autorização e aqueles que não falavam português podiam acabar presos.


Em Pelotas, no mesmo mês que o Brasil declarou guerra à Alemanha nazista, um grande grupo de pessoas atacou, de forma violenta, comércios pertencentes a imigrantes alemães e a teuto-brasileiros (brasileiros de origem alemã). A igreja da comunidade protestante alemã chegou a ser queimada pelo grupo.


A campanha de nacionalização do Estado Novo de Vargas teve início em 1938, e muitas de medidas foram de encontro com as realizações de Carlos Ritter.


Na primeira fase da campanha, ocorreu a nacionalização do ensino. O ensino do português se tornou obrigatório. As escolas só podiam ter nomes brasileiros. Só brasileiros natos (que nasceram no Brasil ou que nasceram no exterior, mas são filhos de brasileiros que estavam a serviço da república ou registraram o filho em uma repartição brasileira competente no exterior, como, por exemplo, as embaixadas) podiam ocupar cargos de direção nas escolas. Os professores podiam ser só brasileiros natos ou naturalizados graduados em escolas brasileiras. Toda aula devia ser ministrada apenas em português. O ensino de línguas estrangeiras para menores de 14 anos foi proibido, assim como o auxílio financeiro vindo de governos e instituições estrangeiras. Ritter foi sócio-fundador da Sociedade Escolar, que era a mantenedora do Collegio Allemão de Pelotas, que sofreu com a campanha de nacionalização de Vargas. A escola foi fechada em 1942, ano que o Brasil entrou na guerra.

Em 1939, novas medidas foram implementadas. Falar línguas estrangeiras em público foi proibido, inclusive durantes cerimônias religiosas. Centros culturais associados a culturas estrangeiras foram fechados. Era responsabilidade do exército inspecionar essas comunidades e impor as mediadas. Carlos Ritter foi fundador de colônias alemãs em Pelotas e da Die Deutsche Evangelische Gemeinde in Pelotas (Comunidade Evangélica Alemã em Pelotas), que sofreram com a repressão proveniente das novas medidas.


Ao ver algumas das realizações de Carlos Ritter serem destruídas pouco a pouco, é possível entender uma aproximação de seus familiares e de admiradores com os nazistas, se realmente houve, para preservar sua memória e manter intacto tudo que ele lutou para construir. O tratamento dado aos teuto-brasileiros e alemães, como se fossem inimigos, pode ter sido aproveitado pelo Terceiro Reich, com o intuito de atraí-los para o seu lado (questão também levantada pela nossa entrevistada Alice Xavier). Esse tipo de situação sempre abre um campo de possibilidades.


Com o ódio estimulado pelo Estado Novo, contra os alemães e seus descendentes, essas histórias podem ter sido criadas para desprestigiar a imagem dos Ritter. Algo semelhante com o que os nazistas fizeram com os judeus.


Esses fatos apresentados aqui, podem ter ajudado na criação da lenda dos túneis, principalmente sua relação com os nazistas. Essas histórias são vistas com muita descrença, principalmente entre os acadêmicos, mas há pessoas que juram que elas são reais. Mas se são ou não, é algo que dificilmente saberemos.

Enigma

Para aqueles que acreditam na presença de espiões nazistas, algo interessante que eles podem tentar achar é uma “Enigma”, máquina eletromecânica utilizada pelas forças nazistas para criptografar mensagens e informações secretas.


Ela foi patenteada pelo engenheiro alemão Arthur Scherbius em 1918. Os primeiros modelos só foram apresentados anos depois, nos congressos da União Postal Universal de 1923 e 1924. No ano de 1928, o exército alemão desenvolveu sua própria versão da máquina, que ficou conhecida como “Enigma G”. A partir da elaboração do novo modelo, seu uso se estendeu a todas forças armadas da Alemanha e a grande parte do Partido Nazista.

Máquina Enigma, versão da Marinha, exposta em Bletchley Park

A Enigma possui cinco rotores, mas apenas três deles eram selecionados para o uso. Os nazistas distribuíam mensalmente uma tabela que dizia quais dos rotores seriam utilizados, ou seja, os espiões em Pelotas precisavam manter um contato constante com o comando do Terceiro Reich. Além disso, era ainda preciso saber quais as posições possíveis dos vinte e seis anéis de cada rotor que seria utilizado. Mesmo com tudo que já era preciso, o operador da máquina também precisava saber a posição inicial de uma sequência de três posições.


Ivan Boesing, pesquisador do Museu da Universidade do Rio Grande do Sul, explica o funcionamento da “Enigma” no vídeo abaixo:




Alan Turing, matemático inglês, foi quem liderou o time que criou a bomba eletromecânica ou simplesmente "Bombe", em inglês, máquina projetada por ele que auxiliou na decodificação das mensagens secretas alemãs criptografadas pela "Enigma", durante a Segunda Guerra Mundial. Turing foi pioneiro na Inteligência artificial e na ciência da computação, sendo considerado como o pai da computação.


Fonte: National Portrait Gallery

Por ser homossexual assumido (a homossexualidade e a bissexualidade foram proibidas na Inglaterra até 1967), mesmo sendo diretamente responsável por salvar milhões de vidas, no início da década de 50, Turing foi humilhado em público, impedido de acompanhar estudos sobre computadores, julgado e condenado por "vícios impróprios".


Como pena ele foi castrado quimicamente, a partir de terapias à base de estrogênio, que também lhe causou um efeito secundário, o crescimento de seios.


Em 8 de junho de 1954, Turing foi encontrado morto em sua casa em Wilmslow, Cheshire, na Inglaterra. A causa da morte foi envenenamento por cianeto. O inquérito do caso determinou que ele se suicidou.


A história de Alan Turing é contada no filme “O Jogo da Imitação”, de 2014, no qual o ator inglês Benedict Cumberbatch interpreta Turing. O filme ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado de 2015. Assista ao trailer do filme abaixo:




 
 
 

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